Amigo leitor, certo dia estava indo de ônibus para um dos
consultórios onde atendo quinzenalmente em pequena cidade do interior do
estado. Entre um cochilo e outro, pego um livro de psiquiatria para ler, na
ilusão de que a viagem seria mais rápida.
Logo após, reparo que um rapaz sentado na poltrona a meu lado
observa minha leitura e, após algum tempo, não se contendo, dirige-me a
palavra:
“- Desculpe perguntar, mas o senhor é psicólogo ou
psiquiatra¿”
Respondi que era psiquiatra e a partir dai, acabamos batendo
um bom papo ( e eu não consegui ler o meu livro...rs)
João – esse era seu nome, revelou ser um terapeuta holístico,
trabalhando com massagem ayurvédica. Dizia ser terapeuta holístico por
convicção, mas no momento estava trabalhando com produção de vídeos com um
outro irmão, pois se decepcionara com seu trabalho como terapeuta.
Curioso, perguntei-lhe as causas de sua decepção.
Sem delongas, ele começou a dizer que havia se cansado de
orientar as pessoas sobre a necessidade de mudanças estruturais no seu estilo
de vida, sem as quais não conseguiriam obter resultados duradouros.
Percebi no tom de sua voz, um certo ar de decepção e
inconformismo...
“ De que adianta eu resolver momentaneamente os sintomas
dessas pessoas, aliviar suas dores, se na consulta seguinte, voltavam com as
mesmas queixas¿ Então doutor eu acabei cansando pois percebi que não
conseguiria mudar a cabeça de ninguém... aí parei de ser terapeuta...continuo
com minhas convicções holísticas, mas preciso pagar as minhas contas e por isso
estou trabalhando na produção de vídeos, que é outra coisa que gosto muito de
fazer”
Enquanto João falava, meu pensamento voltava no tempo e via a
mim mesmo no começo de minha jornada profissional, com a idade daquele rapaz...
Também eu, nos arroubos da juventude, pretendia mudar o mundo
e transformar as pessoas...ficava indignado com a passividade dos meus
pacientes que ficavam esperando a cura “cair do céu” sem mexer uma palha para
que isso acontecesse.
Nada como o tempo para nos ensinar...
Só o exercício da profissão por quase quatro décadas, ouvindo
pessoas das mais variadas posições sociais, com os mais diversos dramas, pode
me ensinar que nenhum médico ou terapeuta cura ninguém! O indivíduo adoece por
suas atitudes e vai restabelecer seu equilíbrio, mas adiante, também por suas
atitudes, pela mobilização da sua vontade.
Podemos, quando muito ser um ajudante, um facilitador no
processo da cura, mas a iniciativa e a decisão tem que vir de dentro da pessoa
que sofre. E, assim como cada fruta tem o seu tempo certo de amadurecer, também
as pessoas se abrem para a saúde, para o novo, para a felicidade no momento
adequado.
A cura não vem de fora. A cura vem de dentro...
Quando ia comentar essas lembranças com o João, nosso viagem
chegou ao fim. Nos despedimos e, não sei bem porque, fiquei com a impressão de
que um dia ele ia voltar a trabalhar como terapeuta holístico...
Paz e Luz!