sábado, 18 de fevereiro de 2012

O MÉDICO DE ANTIGAMENTE...

Queridos amigos, sem nos aprofundarmos nas causas (que são inúmeras e complexas) assinalo a decadência da figura que o médico representa nos dias atuais, em que a saúde a nível publico acha-se sucateada e o pouco que dela sobra está nas mãos das poderosas associações de medicina de grupo. Apenas deixo como reflexão alguns trechos da belíssima crônica de Rubem Alves, em seu livro “O médico” – ed. Papirus, 2002.
“ – Antigamente, a simples presença do médico irradiava vida. Antigamente os médicos eram também feiticeiros...
....A vida circulava nas relações de afeto que ligam o médico àqueles que o cercavam. Naquele tempo os médicos sabiam dessas coisas. Hoje não sabem mais.
...O médico de antigamente era um herói romântico, vestido de branco. As jovens donzelas e as mulheres casadas suspiravam ao vê-lo passar. Ainda bem que a consulta permitia o gozo puro do toque da sua mão...
...O cavaleiro solitário que luta contra a morte é um santo. Quem, jamais, ousaria pensar qualquer coisa de mau contra o médico? Hoje são comuns os processos contra os médicos por imperícia. Ser médico transformou-se num risco. Porque ninguém mais acredita na sua santidade. Talvez porque eles tenham deixado mesmo de ser santos...
...Eu me apaixonei pela imagem. Queria ser feiticeiro. Queria ser o cavaleiro solitário que luta contra a morte. Queria ser o santo....
...Não fui médico. Mas segui pela vida encantado por aquele quadro. O encanto foi quebrado quando fui fazer meu doutoramento nos Estados Unidos. Um dia fui ouvir uma palestra do diretor do hospital da cidade de Princeton, NJ, onde eu estudava. Ele começou sua preleção com esta afirmação que estilhaçou o quadro: “O hospital de Princeton é uma empresa que vende serviços”. “Meu Deus”, eu pensei. “Aquele médico não existe mais”. E percebi que, agora, os médicos se encontram lado a lado com os prestadores de serviço, os encanadores, os eletricistas, os vendedores de seguros, os agentes funerários, os motoristas de táxi. É só procurar na lista de classificados. A presença mágica já não existe. O médico é um profissional como os outros. Perdeu sua aura sagrada.
E me veio, então, uma definição do médico compatível com a definição que o diretor deu para o hospital de Princeton: “um médico é uma unidade biopsicológica móvel, portadora de conhecimentos especializados, e que vende serviços.”
... Acho que os médicos, hoje, são infelizes por causa disto: eles resolveram ser médicos por desejar ser belos como o cavaleiro solitário, puros como o santo, e admirados como o feiticeiro. Era isso que estava dentro deles, ao tomarem a decisão de estudar medicina. E é isso que continua a viver na sua alma, como saudade...
É. A vida lhes pregou uma peça. E hoje a imagem que eles vêem, refletida no espelho, é a de uma unidade biopsicológica móvel, portadora de conhecimentos especializados, e que vende serviços...Os médicos sofrem por saudade de uma imagem que não existe mais.”

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